terça-feira, 7 de março de 2017

EDUCAÇÃO - ALGUNS ASPECTOS

EDUCAÇÃO 
ALGUNS  ASPECTOS




A   tradição   municipalista   em   Portugal   tem   origem   na   época   medieval,   onde   emergem   os   concelhos suportados pela carta de foral, passa pelo período liberal, renasce na 1.ª República e sucumbe com o Estado Novo, levando os autarcas a serem nomeados pelo Governo.

Com a Revolução de 25 de Abril de1974 é recuperado o regime político democrático e reposto o Poder Local com representantes livremente eleitos por voto directo e universal, de acordo com a Constituição da República Portuguesa de 1976.


Contudo,   não   existe   em   Portugal   tradição   de   uma   intervenção   das   autarquias   na
administração   da educação.

Historicamente, verifica-se uma centralização estatal, pois têm sido poucas e de dimensão insignificante   as   suas   competências   educacionais   (Pinhal   et   al.,   2001),   ou   seja,   todos   os   sistemas educativos ocidentais são mais centralizados que descentralizados e o sistema público de ensino, iniciado no século XIX, aceite e generalizado algures no século XX, tinha por objectivos essenciais: centralizar,unificar e integrar (Barreto, 1995).  

No   século   XIX,   com   a   primeira   reforma   da   instrução   primária,   tentou-se   descentralizar   o   ensino. Efectuaram-se então, sucessivas alterações normativas, entre as quais a reforma de Rodrigues Sampaio,que visava a criação de estruturas descentralizadoras de administração e gestão para o ensino primário.


No final do mesmo século, como salienta Fernandes (1994: 51), verificou-se, no âmbito da educação, uma nova tentativa   de   descentralização   de   competências   para   as   autarquias,   através   das   seguintes   medidas:“construção e manutenção de escolas, a criação e manutenção de cursos de alfabetização, a nomeação e remuneração de professores e a concessão de subsídios aos alunos”.

Com a implantação da República, a descentralização passa a ser uma das principais medidas com vista à melhoria da acção educativa, o que, por outro lado, também aumentava o poder das autarquias.

Neste sentido, a descentralização administrativa foi uma das propostas do programa dos republicanos que, desde há muito, ambicionavam a sua intensificação. Todavia, começam a surgir problemas, como atrasos no pagamento dos vencimentos aos professores, provocando nestes o desejo pelo restabelecimento da centralização.

Assim,   durante   este   período   efectuaram-se   vários   momentos   de   alternância   entre   a centralização e a descentralização da educação para as câmaras municipais (Fernandes, 2004), por influência e acção directa de alguns políticos e pedagogos como João Camoezas e António Sérgio, onde se salienta o modelo da “Escola-Município”.


Durante o período de vigência do Estado Novo, as autarquias locais eram responsáveis, sobretudo, pela construção, conservação e manutenção das escolas primárias, o que, de resto, constituía já um grande encargo para as autarquias sem meios e sem dinâmica.

Na realidade, ao nível municipal os recursos eram escassos, as responsabilidades das câmaras em construir, manter os edifícios escolares e assegurar diversas despesas, acabavam por não ser cumpridas.

Por outro lado, o empenho do Estado português na educação de uma maior percentagem da população deve-se a pressões externas, começando a ser mais significativo no início da década de sessenta do século XX (Fernandes, 1999).

É a partir da Revolução de 25 de Abril de 1974, após um ocaso de várias décadas, que os municípios portugueses recuperam a autonomia que desfrutaram e conquistam novas atribuições e competências.

Assim, “com a mudança política efectuada em 1974 e consolidada na Constituição de 1976, dá-se o renascimento do município como expressão da democracia local” (Idem: 167).

A descentralização volta à agenda política depois da Revolução de Abril, com a apresentação na Assembleia da República da propostade Lei n.º 315/I, em 28 de Abril de 1980, proporcionando um amplo debate nacional, visto que esta proposta visava a aprovação de uma Lei de Bases do Sistema Educativo que, nas palavras de Vítor Crespo, Ministro da Educação nessa altura, significava o seguinte: “era minha convicção que não ter uma Lei de Bases ou um «documento orientador» correspondia a viver no reino das experiências pedagógicas, navegar ao sabor de pressões, demagogias ou soluções fáceis” (in Teodoro, 2002: 276).


A descentralização é um processo pelo qual, através da lei, se transferem poderes de decisão, até aí pertencentes a órgãos do Estado, para os órgãos próprios de entidades independentes do Estado central, e que   no   âmbito   da   Administração   Pública   assume   duas   formas:   a   descentralização   funcional   e   a descentralização territorial.

No primeiro caso, a descentralização verifica-se mais por razões de ordem técnica que política, com a transferência de certas funções da administração central para órgãos ou instituições   especializadas;

Por   outro   lado,   no   segundo   caso,   verifica-se   sem   qualquer   dependência hierárquica dos órgãos do poder central, sendo, então, transferidas atribuições da administração central para instituições regionais ou locais, consideradas competentes e responsáveis para decidir sobre certas matérias (Pinhal, 1994).

Contudo, os processos de descentralização são usualmente antecedidos por actuações de desconcentração, “em que a Administração Central tenta «vender» desconcentração por descentralização,   combinando   uma   retórica   descentralizadora   com   normativos   meramente desconcentradores (ou mesmo recentralizadores)” (Formosinho, 2005: 26).


Descentralizar é, então, dar mais poder ao denominado Poder Local, sendo o Ministério da Educação aquele que se encontrava em melhores condições para dar os primeiros passos, ao inserir as escolas nas comunidades e ao transferir para a administração local a gestão dos recursos.

 De facto, é aprovada na Assembleia da República e posteriormente publicada em 1984, legislação que atribui aos municípios do continente novas competências em matéria de organização, financiamento e controlo de funcionamento dos transportes escolares, respectivamente o Decreto-Lei n.º 77/84, de 8 de Março e o Decreto-Lei n.º 299/84de 5 de Setembro, assim como a definição e aplicação da acção social escolar através do Decreto-Lei n.º339-A/84, de 28 de Dezembro.

Com a publicação da LBSE, em 14 de Outubro de 1986, passam a estar previstas, de acordo com os artigos38.º e 43.º, formas de descentralização e desconcentração da administração educativa, prevendo também a possível  regionalização  do território  nacional.


Todavia,  este diploma,  para  além  da descentralização,privilegia também a participação comunitária (n.º 2 do artigo 43º) com a renovação do serviço público educativo, que segundo Barroso (1998: 33), passa pela transferência de “poderes e funções do nível nacional e regional para o nível local, reconhecendo a escola como um lugar central de gestão e a comunidade local (em particular os pais dos alunos) como um parceiro essencial na tomada de decisão”.Baseadas numa lógica cívica e comunitária de renovação da escola pública, estas estratégias visavam um aumento das políticas de descentralização e reforço da autonomia das escolas, em que o papel do Estado passa a ser, essencialmente, o de estabelecer e regular as orientações básicas da educação.

Na sequência  da LBSE é publicado, em 3 de Fevereiro de 1989, o Decreto-Lei n.º 43/89, que estabelece o regime jurídico da autonomia das escolas dos 2º e 3º ciclos, dos ensinos básico e secundário. Este diploma possibilita à própria escola elaborar e definir a sua actividade educativa, através dos seguintes documentos:projecto educativo, plano anual de actividades e regulamento interno.

Neste contexto, os municípios são confrontados com a possibilidade de uma maior participação na educação escolar, principalmente como parceiros no projecto educativo. Por outro lado, concretiza-se um maior envolvimento da Câmara Municipal nas questões da educação com a participação nos órgãos de direcção dos estabelecimentos de ensino não superior.

Esta iniciativa foi implementada a título experimental em 54 estabelecimentos de ensino e definida pelo Decreto-Lei n.º 172/91.

Nesta sequência, é consolidada a competência para os órgãos municipais poderem criar o Conselho Local de Educação (CLE), uma década depois da proposta apresentada pela Comissão da Reforma do Sistema de Ensino (CRSE), com a publicação do Decreto-Lei n.º 115-A/98 e posteriormente   com   a   Lei   n.º   159/99,   que   estabelece   o   quadro   de   transferência   de   atribuições   ecompetências para as autarquias locais.


 Em 2003, na sequência de uma mudança da maioria política da Assembleia da República (e da composição do Governo), é publicado um novo quadro normativo que estatui o Conselho Municipal de Educação (CME), em substituição do CLE, e consagra a carta educativa de acordo com o Plano Director Municipal.

Este novo modelo apresenta algumas diferenças em relação ao anterior, pretendendo ser, no entanto, mais abrangente, pois, para além da educação escolar, engloba agora todas as formas de educação.
O que há de novo e interessante neste modelo são as competências relacionadas com a participação na negociação e execução dos contratos de autonomia, a análise do desempenho do pessoal docente e não docente e a assiduidade e sucesso escolar, aliando ainda, a forte representação autárquica (Presidente da Câmara Municipal, Presidente da Assembleia Municipal, Vereador da Educação e Presidente de uma das Juntas de Freguesia do concelho) neste órgão, o que de certa forma, pode perspectivar uma municipalização da educação.

Ao limitar pela imposição da lei, o CME na sua composição, presidência e distribuição dos seus membros, o Estado centraliza juridicamente e impõe uma normalização nacional para este órgão, que é reforçado com o facto deste diploma não ser da responsabilidade do Ministério da Educação, mas do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e do Ambiente.
(terá continuação...)



Referências bibliográficas

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